Por: Nelson de Paula.
Francisco da Costa Gomes - 14/05/2017
Estamos falando da posse conturbada de Costa Gomes. Os membros do Conselho de Estado não lhe tinham deixado margem para escolha: "Sr. general, estamos perante uma situação muito grave que tem de ser resolvida rapidamente. Não podemos estar sem Presidente. A Revolução poderá sofrer graves perturbações, se o lugar não for ocupado imediatamente. E de momento só o sr. general o pode, de fato, ocupar. "Fui empurrado para Presidente da República sem nunca o ter pretendido", afirmou Costa Gomes.
O Verão de 1975 foi um período de ainda maior intensificação das tensões na sociedade portuguesa. Acentuaram-se as divisões em termos político-partidários, opondo sobretudo o PS ao PCP, e também em termos militares, com a definição cada vez mais clara de vários setores no seio do próprio MFA. Ao longo deste Verão quente, Costa Gomes procurou, acima de tudo, agir como um "conciliador" entre as partes desavindas.
Em meados de abril já afirmava: "É claro que tenho de ser um conciliador, porque eu defendo, apesar de ter comandado, seis anos e meio, tropas em campanha a todo o custo, as soluções pacíficas. "Porém, esta preocupação em conciliar os vários setores políticos e militares não significava que o Presidente flutuasse ao sabor das circunstâncias, como chegou a ser acusado, ou que, indeciso, fosse um "neutro", sem as suas ideias próprias sobre o futuro de Portugal.
Aliás, o próprio Costa Gomes não gostava de ser acusado de "indeciso". Já em 1976, numa entrevista à televisão sueca, o Presidente viria a contestar esta ideia: "O que contesto, e tenho contestado sempre, é que seja uma pessoa indecisa, uma vez que me tenho habituado, desde muito novo, a decidir por mim próprio e às vezes em circunstâncias difíceis.
Não se é impunemente seis anos e meio comandante de tropas em campanha e posso, com certo orgulho, dizer que não dei azo a suspeitas de qualquer indecisão minha durante esse longo período em que comandei o maior número de tropas portuguesas que jamais houve em campanha."
Na verdade, o comportamento de Costa Gomes justificava-se sobretudo pelo seu modus operandi muito próprio, assim definido pelo então ministro da Coordenação Interterritorial, Almeida Santos: uma "maneira muito pessoal de encarar e tentar resolver as coisas: recusando-se a encará-las no ponto crítico, deixando-as amadurecer, e indo encará-las mais adiante, em plena fase desinflamatória".
Trabalhando de perto com Costa Gomes, enquanto secretário permanente do Conselho da Revolução, o então major Loureiro dos Santos salienta igualmente a "preocupação permanente" de Costa Gomes em "resolver os conflitos pelo recurso à negociação, explorando e apostando nos interesses que aproximavam as diversas partes em confronto e esbatendo os pontos de discordância".
Tratava-se de uma personagem dotada de "impressionante calma e frieza, com um puro raciocínio matemático, em ambientes de excitação e caos". Costa Gomes gostava de se definir, como "um católico progressista", mas não como um "puro marxista". Com base nas suas declarações e nas suas atitudes é fácil concluir que Costa Gomes defendia, por convicção, a evolução do país no sentido de uma democracia pluralista de tipo ocidental e nunca no sentido de um regime de partido único ou de ditadura militar.